sexta-feira, janeiro 18, 2008

um Livro

Abri o livro, mas não para ler. Estava preparado para começar a escrever, mas fiquei pasmado, a olhar para uma fotografia.
Apanhou-me de surpresa. Aquela vista, entrou e atravessou-me o espírito, vasculhando todas as imagens da minha memória em busca de uma semelhança.
Esgotadas as hipóteses de identificação rápida, superficial, mergulhou mais fundo na pesquisa, para encontrar uma equivalência, uma cópia. Também não resultou.
Logo em seguida, com o desengano em perspectiva, remexeu todas as gavetas repletas de sons, cores, cheiros, sentimentos, emoções - de nada serviu. Nada feito.
Como o vento de um tornado, revolveu todos os escritos arquivados, misturando frases, descolando páginas, soltando letras e recompondo palavras, experimentando ligações com nexo, feitas através de um ténue fio de esperança. Talvez assim... pois, claro. Mas não.
Cada vez mais complicado, encontrar nos arquivos da memória, a caixa onde estão guardadas todas as informações ligadas a esta fotografia.

Quando foi tirada, qual o dia da semana, de que mês, era cedo ou tarde;
onde, no campo, numa rua, um miradouro, à beira-mar, em que cidade, que país;
porquê, por quem, para quê, a que a precedeu, quem teve a ideia, porque estava aqui, com quem estava;
o tempo, fazia calor, estava frio, nevoeiro, sol aberto, havia vento, moderado, fraco, de que quadrante;
a que cheirava o ar, humidade, chuva iminente, relva cortada, maresia;
ouvia-se o mar, os pássaros, havia gaivotas no espaço, cães a ladrar; buzinas de automóvel;
que pensamentos, que emoções sentia, que sentimentos passavam na minha mente, estava feliz, pouco, alegre, despreocupado, solitário;
para onde fui depois, o que aconteceu a seguir, quem era o nosso Primeiro Ministro, qual a notícia do dia, que vida era a minha, que... tantas outras perguntas;
milhões de outras coisas que se encontram bem guardadas, esquecidas, dentro de milhares de compartimentos que contêm, cada um, o conjunto de informações externas e internas que marcaram um dado momento da nossa existência.

Cada instante de uma vida consciente, está guardado numa caixinha, que em conjunto com todas as outras caixinhas, se encontra arrumada, por uma certa e indeterminada ordem, dentro de um baú - não sabemos ainda, qual a estrutura organizacional cognitiva, dentro desses baús, ou arcas cognitivas.
E há caixas que são partilhados com mais alguém - ou outros "alguéns" que podem ou não, ter estado presentes fisicamente no momento de preencher, etiquetar e encerrar uma caixa.

A memória é uma coisa muito difícil de entender e a recordação é uma coisa ainda mais difícil de explicar... eu penso.

Depois de vasculhar debalde todos os meandros e recantos das poeirentas arcas memoriais, pensei - afinal, este não sou eu. Eu não sou assim.

- "Ah, ah, mas já foste", diz uma puta duma vozinha bem atrás do meu nariz.

..para continuar, sem nexo, sem data, nem hora, um dia destes, aqui ou noutro lado, sabe-se lá?

Sem comentários:

Poema Esquecido

Praia Grande, Sintra Ao captar esta imagem, criei uma poesia. Decerto, inebriado por um momento de solidão, em que me senti inserido na pai...