os restos de uma parede sem cobertura, sem cor definida, a desfazer-se e a remendar-se sem qualquer jeito;
quem vive dentro da casa agarrada a esta janela, provavelmente já não pode sair e por isso não vê;
não vê, não sabe o mau estado em que se encontra a pequenina janela com tabuinhas, que já não abre;
talvez porque o fecho está perro, as dobradiças desengonçadas e já vão faltando a força e o jeito nas mãos;
à tardinha, já não espreita por entre as tabuinhas, o movimento dos vizinhos que cruzam a Travessa, vindos dos lados do Elevador;
já não há garotos para admoestar, quando eles faziam algazarra na correria em direcção às escadinhas bem ali ao fundo da travessa;
nas manhãs ensolaradas da primavera, já não abre as cortinas para deixar entrar os primeiros raios de sol, que chegavam mais quentinhos por se rebolarem em cima de todos os telhados do casario da encosta;
já não vê aquela neblina que pairava sobre as águas do Tejo nos dias de calor, escondendo "a outra banda" e fazendo aparecer e desaparecer no nada os Cacilheiros;
os olhos cançados, a vista fraca, já não dá para distinguir a sombra alongada dos grandes barcos que lá em baixo no rio, levantam ferro e se fazem ao mar com o por do sol;
Tudo o que a vista alcançava, quando se abria esta janelinha para o mundo, eram sonhos sobre a realidade sobranceira a uma colina de Lisboa;
Já não há sonhos, não há nada que faça valer a pena abrir esta janela, nem mesmo a vista do local bem no cimo de umas das sete colinas d'esta Lisboa que eu amo, que é tão linda que é tão bela...
3 comentários:
Na verdade o que resta desta casa é sómente a janela,tem uma beleza fora do normal com essas portadas pequenas, no tempo em que foi feita de certeza que os ladrões não andavam muito por esses lados.Tu descobres cada coisa,podes criar um tema de casas em ruínas para elas encontrarem os seus donos perdidos.Chau Maria de regresso.Hoje não tenho tanto sono.
Que beleza ainda dizes mal do teu eu ,isto está melhor que Camões,melhor que Garrett, melhor entre os melhores deste século que muitos escrevem,mas, não sentem o que dizem,Continua beijinhos tenho que ir ver o bébé que está a chorar.Maria
Bem verdade o que dizes Maria, sobre a questão do sentimento.
Sinto mesmo muita emoção revejo as fotografias da velha Lisboa.
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