quinta-feira, janeiro 03, 2008

um Conto


DOIS CAMINHOS

Ontem, ao sentir nas minhas mãos geladas, o contacto fremente dos teus dedos cheios de febre, eu senti dentro de mim o baque forte de uma sensação desconcertante, que me fez tremer e encheu de pavor.
Minutos depois daquele enleio, que voltou a realizar o milagre da junção das nossas almas, ao mirar-me nos teus olhos negros e parados, deixei-me esquecida de tudo o mais, penetrar pelo seu fluido estranho ao ponto de me toldar e absorver nas dobras desse mistério, que já foi o rastilho da minha embriaguês antiga.
E apateceu-me fugir! Fugir imediatamnete, soltar as tuas mãos, não ver mais os teus olhos! Agora, impaciente, percorrerás, com os olhos dilatados, àvidamente, a rua, querendo rasgar clareiras por entre a multidão apressada, no desejo de lobrigar o meu vulto de oriental esguia... Porem esperarás em vão. Não posso cumprir a promessa. Faltarei!
Por isso escrevo estas páginas com o sangue quente da paixão rubra que reacendeste, diluido na tinta transparente das lágrimas que sinto cair dentro da alma, alagada agora pela mágoa imensa da certeza de perder-te definitivamente.

(excerto de um conto de Lúcia de Castro, 1947, Século Ilustrado)

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